Depois de dois mandatos a clamar por responsabilidade e
estabilidade política eis que Cavaco Silva fez exatamente o contrário do que
instiga os outros a fazerem.
A solução governativa de estabilidade política para o país que
lhe foi apresentada pela maioria parlamentar de esquerda não o satisfez nem o
demoveu de impor a solução que mais convém aos seus interesses.
Se é certo que o Presidente da República tinha toda a
legitimidade, aliás Constitucional, em indigitar Pedro Passos Coelho para
Primeiro-Ministro, não é menos certo que o discurso crispado que associou à sua
decisão lançou o país numa instabilidade política desnecessária.
Mais do que isso, as suas palavras revelaram o enorme
desrespeito pela opinião de todas e todos os que votaram à esquerda da
coligação - a maioria, note-se. Se dúvidas houvessem, ficou confirmado que para
o senhor Presidente da República, a democracia não é mais do que um pedaço de
barro a ser moldado consoante as suas conveniências e preferências.
Ao Presidente da República não cabe contestar as escolhas do
povo português nem tão pouco tecer considerações sobre os programas políticos
dos partidos que se apresentaram a eleições. Etiquetar os partidos de esquerda
de anti-europeístas, decidir que não servem ao futuro do país e sobrepor a sua
opinião às de quem jurou representar, revela apenas o desespero de quem lhe
sente fugir por entre os dedos o poder de controlar as escolhas democráticas e
legítimas do povo.
Neste momento, a incerteza está instalada e os portugueses e
portuguesas têm o seu futuro, mais uma vez, em suspenso. A falta de indicação,
por parte do Presidente da República, sobre o que fará após a rejeição do
programa do governo, que lhe foi aliás confirmada pelos diversos partidos de
esquerda, vem demonstrar a mais desesperada tentativa de chantagem e de
limitação da liberdade democrática de escolha. A mensagem que tenta passar aos
portugueses e portuguesas que no dia 4 de outubro rejeitaram o empobrecimento
forçado, o desmantelamento do Estado Social, a venda do país a retalho, a perda de rendimentos do
trabalho e das pensões e que optaram por uma política alternativa, é a de que
as suas escolhas de nada valem. Mais uma vez, a chantagem é a de que “não há
alternativa”.
Estaremos cá para ver se Cavaco Silva se comportará como o
Presidente de todas e todos os portugueses como tantas vezes gosta de salientar
e se permitirá aos deputados e deputadas da
Assembleia da República viabilizar uma solução governativa alternativa
ou se continuará a assumir o papel de
menino birrento que não aceita perder e que se lança ao chão esperneando e
gritando: “Eu quero! Eu quero!”
Cá estaremos para lhe responder.
Sandra Cunha
Deputada do Bloco de Esquerda na Assembleia da República, eleita pelo círculo eleitoral de Setúbal
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